Aspectos jurídicos do Plano Diretor
Clique aqui para ler outras notícias
 

Fonte: Correio Popular - 06/12/2006
Autores: Carlos Henrique Pinto e André Laubenstein Pereira

Encontra-se em tramitação, na Câmara Municipal, o Projeto do Plano Diretor de Campinas, definido pela Constituição como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Por conter as diretrizes para a gestão da cidade, é natural que os debates mobilizem a população.

A construção do projeto deu-se com ampla participação popular, num processo de revisão considerado modelo. A tramitação está avançada, restando algumas discussões com o setor imobiliário, sendo importante prestar esclarecimentos, para que a sociedade possa se posicionar.

Pelos limites do espaço, trataremos apenas de alguns instrumentos urbanísticos, assunto que se relaciona à função social da propriedade, tema que ganhou relevância com a Constituição de 1988 e sobre o qual falaremos brevemente.

A propriedade deve ser entendida como instrumento de produção de riquezas e meio para assegurar ao homem o direito à moradia. Hoje não existe mais um direito de propriedade absoluto ou sem limite, pois a legislação atual modela tal direito com restrições em razão de circunstâncias sócio-econômicas e dos interesses da coletividade, relativos ao bem-estar social.

No vasto rol de limitações à propriedade, estão o parcelamento, edificação e utilização compulsórios; IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento em títulos.

Os três instrumentos, que têm sido objeto de polêmicas, estão previstos na Constituição e têm por finalidade o cumprimento da função social da propriedade, pois possibilitam impor ao proprietário de área não edificada, subutilizada ou não utilizada (que alguns chamam de vazios urbanos) a obrigação de dar aproveitamento ao imóvel, seja parcelando (v.g. dividir em lotes), seja edificando, seja utilizando.

O funcionamento destes instrumentos está previsto no Estatuto da Cidade, que foi seguido pelo Projeto do Plano, tendo o Poder Executivo tomado cautelas ainda maiores. Está previsto como regra geral que a utilização dos instrumentos dependerá da descrição e delimitação das áreas (não utilizadas etc.) nos chamados Planos Locais de Gestão (art. 63, III). Para aquelas áreas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas já indicadas no Projeto do Plano Diretor, será aprovada uma lei específica (arts. 63 e 68), descrevendo minuciosamente o perímetro e disciplinando os direitos e obrigações. Tanto a lei específica quanto o Plano Local dependerão da elaboração de estudos técnicos e da efetiva participação popular (art. 40, § 4º do Estatuto da Cidade e arts. 18 e 97 do Projeto).

Ressaltamos que os instrumentos citados somente se aplicam às áreas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas (e assim reconhecidas por estudos técnicos da Prefeitura) e a sua efetiva utilização será feita com muita cautela, sempre com a devida fundamentação e publicidade, pois todo ato da Administração deve ser motivado e legítimo (art. 2 da Lei Federal 4.717/65).

Lembramos, ainda, que, após a edição da citada lei específica, as obrigações de parcelar, edificar ou utilizar não serão automáticas. Há um procedimento a seguir: o proprietário da área indicada como não utilizada terá o prazo de um ano para dar entrada no projeto de empreendimento, outros dois anos para iniciá-lo e mais o período necessário à execução das obras. Somente após estes prazos é que o imóvel estará sujeito à incidência do IPTU progressivo do tempo, que será aplicado por cinco anos, caso não sejam atendidas as obrigações citadas. Após esses cinco anos é que o Poder Público poderá desapropriar a área, mediante pagamento, em títulos da dívida pública, da justa indenização — não havendo, portanto, confisco. Se o proprietário não tiver condições de empreender, poderá estabelecer Consórcio Imobiliário com o Poder Público (arts. 67 e 90).

Em suma, a redação do Pro jeto oferece segurança e vem atender aos reclamos da população. Campinas precisa da aplicação dos instrumentos para suprir um déficit habitacional quantitativo de 30.000 unidades residenciais. Os imóveis atualmente desocupados e disponíveis não suprem as necessidades da população, em especial porque muitos deles estão à venda por valores inacessíveis a pessoas de baixa renda.

O momento, agora, é dar continuidade ao processo, estando o Poder Executivo confiante quanto à sensibilidade da Câmara para votação desta importante matéria.


Carlos Henrique Pinto , advogado, é secretário de Assuntos Jurídicos e André Laubenstein Pereira , advogado, é especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito na PUC-SP.