Seminário 230 anos de Campinas - Território, Urbanismo e Planejamento


Campinas nos anos 90: Perspectivas e Realidade

Engenheira Urbanista Sarah Maria Monteiro dos Santos – Diretora do Departamento de Planejamento e Desenvolvimento Urbano/Seplama

Introdução

É muito importante fazer a recuperação histórica do urbanismo e do planejamento em Campinas objetivando informar o debate para se planejar a Campinas do Século XXI. A cristalização no território das ações, planejadas ou não, das diferentes gerações de moradores, produtores e usuários da cidade constituem a realidade do espaço urbano em que hoje vivemos. Cada plano, mesmo que parcialmente concretizado, e com previsões ou cenários que não se configuraram depois, acaba por deixar marcas no território. Do mesmo modo, as muitas ações, intervenções, construções não planejadas vão se somando ao amálgama que resulta no que a gente conhece como cidade com toda sua complexidade e problemas.

Campinas chega ao século XXI com população na casa de 1 milhão de habitantes e como sede de uma região metropolitana, institucionalizada em 2000, que constitui a mais expressiva concentração industrial do interior do Estado de São Paulo, polarizando, no entanto, uma região muito maior.

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) (1) possui uma estrutura industrial diversificada, uma agricultura moderna, articulada à indústria, e um dinâmico setor terciário. A região tem se destacado pela atração de grandes empreendimentos, especialmente indústrias de alta tecnologia e empreendimentos terciários.

Desde os anos 80, há uma queda geral nas taxas de crescimento da RMC, embora mantenha um ritmo de crescimento superior ao do Estado de São Paulo. O município de Campinas registrou a menor taxa entre os municípios da RMC (2,7% 80-91 e 1,54% - 91-2000), mas o ritmo de crescimento da população residente em favelas na cidade elevou-se nesse período, atingindo mais de 8% ao ano na década de 90.

Nos municípios do entorno da sede municipal, as taxas de crescimento são mais elevadas e deve-se, principalmente, ao componente migratório, com importância crescente da migração intra-metropolitana, num processo de redistribuição interna da população, com destaque para o movimento da sede metropolitana para os municípios do entorno .

O diferencial de renda entre os municípios da RMC é grande. O percentual de domicílios com renda média mensal familiar per capita de até 1 salário mínimo varia de pouco menos de 1/4 a mais de 50% dos domicílios, entre os 19 municípios. Em Campinas, cerca de 30% dos domicílios estão nessa faixa de renda, em 2000. Vinhedo apresenta a menor proporção de domicílios com renda per capta de até 1 SM (23,5%) e Monte Mor e Hortolândia, na “periferia” de Campinas, e os pequemos municípios de Engenheiro Coelho e Santo Antônio de Posse, os maiores percentuais (acima de 48%).

Quando observamos a área urbana dos municípios da RMC, verificamos que várias cidades estão praticamente interligadas, formando o que estamos denominando de mancha urbana metropolitana. A densidade demográfica da mancha urbana metropolitana varia de menos de 10 a mais de 1250 pessoas por hectare. Predominam as densidades entre 50 e 80 hab./ha, embora em várias áreas de Campinas e em áreas específicas de Indaiatuba, Sumaré e Santa Bárbara a densidade esteja entre 100 e 500 hab./ha.

As densidades mais elevadas não se restringem ao núcleo urbano de Campinas, se alastrando em várias direções, especialmente em direção à divisa com Sumaré e Hortolândia e à região sudoeste do Município, sinalizando uma intensificação das relações inter-municipais. O aumento generalizado da verticalização e da favelização ocorrido na última década ajuda a entender a elevação da densidade demográfica na RMC e, em particular, em Campinas. Um exemplo é a região do Distrito de Nova Aparecida, em Campinas, na divisa com Sumaré e Hortolândia, onde, no início da década de 80, foi implantado o Conjunto Habitacional Padre Anchieta, com cerca de 2500 casas e mais de mil apartamentos, e que se adensou entre 1991 e 2000 em função de novas verticalizações, mas também pelo assentamento de novas favelas. Destaca-se, ainda, que o crescimento das favelas (setores de aglomerados subnormais) no município de Campinas foi de cerca de 8% ao ano, na década de 90, contra um crescimento de 1,54% ao ano, para o município como um todo.

Essa grande extensão de área urbana apresenta marcantes diferenças internas e de demanda de transporte, fazendo com que o planejamento de transporte de cada município tenha que considerar sua inserção metropolitana.

A maior concentração de chefes sem rendimento forma uma área contínua que abrange parte de Campinas, Hortolândia, Sumaré e a região de divisa entre Nova Odessa e Paulínia. A concentração de chefes com renda superior a 10 SM forma uma faixa que se estende do Norte de Campinas a Valinhos e Vinhedo.

Analisando o crescimento da população nos anos 90, verifica-se que tanto para o município como para a RMC as taxas de crescimento foram superiores àquelas dos anos 80. A população habitando áreas precárias do município tem crescido a taxas muito superiores às taxas da população total desde 1980. Os problemas ambientais da região já apresentam uma escala importante

Os Planos de 1991 e 1996

A década de 1990 começa com a promulgação da Lei Orgânica Municipal e na seqüência vemos a aprovação do Plano Diretor , em 1991, no governo de Jacó Bitar, que é revisto em seguida, a partir de 1993 no governo Magalhães Teixeira. Nova lei é aprovada em 1996, que é o Plano Diretor vigente até hoje. Esses planos elaborados já no espírito da nova Constituição de 1988 tiveram no seu processo de aprovação muitos embates e discussões tendo sofrido várias alterações durante o processo de aprovação na Câmara Municipal. (2)

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 inovou ao tratar de normas urbanísticas, revalorizando a atividade de planejamento urbano e dando reconhecimento jurídico a novos instrumentos urbanísticos tais como: parcelamento e edificação compulsória do terreno que não cumprir as exigências fundamentais de ordenação da cidade; usucapião urbano; imposto sobre a propriedade predial e territorial, progressivo no tempo; e desapropriação para fins de reforma urbana. A função social da propriedade foi considerada princípio norteador do direito urbanístico.

O Plano Diretor ficou definido como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, tornando-se obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes e devendo fixar diretrizes gerais a serem executadas pelo poder municipal com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (Constituição Federal de 1988: artigo 182).

A partir de então, muitos municípios retomaram, ou iniciaram, a atividade de planejamento com respaldo jurídico, para a aplicação dos novos instrumentos urbanísticos definidos na Constituição.

A Lei Orgânica do Município de Campinas (LOM/1990) traz presentes os três elementos: o Plano Diretor, os instrumentos de política urbana e os canais institucionais de participação social. Reafirma os instrumentos da Constituição de 1988, Parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo, Desapropriação e prevê o Solo Criado e as Operações interligadas, além da contribuição de melhoria. No entanto, esses instrumentos exigiam regulamentação posterior mediante lei específica.

Sobre canais de participação define o plebiscito e o referendo, a iniciativa popular no processo legislativo, os Conselhos Municipais (14 ao todo, entre eles o CMDU, mas nem todos foram criados), e uma tribuna para manifestação do pensamento popular.

A LOM vincula o Plano Diretor ao Orçamento - a partir de 1991 a aprovação do Orçamento fica subordinada à existência de um PD aprovado. Coloca a necessidade de parecer do CMDU para a aprovação do Plano Diretor. Estipula ainda prazos para o Executivo enviar à Câmara Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Em fins do ano 1990 começa a ser elaborado às pressas o PD. Para tanto foi contratada a equipe do arquiteto Siegbert Zanettini, que trabalhou em conjunto com a equipe da Prefeitura. Produziu-se o documento “Subsídios para a discussão do Plano Diretor”.

Em 1991, foi aprovada a Lei Complementar n° 2, de 26 de julho de1991 , que dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Campinas. Esta lei, bem como a Lei Orgânica do Município, que data de 1990, institucionalizou os princípios que devem reger o desenvolvimento do município e introduziu um conjunto de instrumentos urbanísticos, como o solo criado, o imposto progressivo sobre vazios urbanos e as operações interligadas, além de prever a instituição do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano - CMDU.

O Plano Diretor de 1991

O plano apresenta um caráter “integrado” com princípios ordenadores para todas ou para a maioria das políticas municipais, a semelhança de vários outros planos elaborados no início da década de 90, seguindo a herança do modelo do SERFHAU. Planejamento sistêmico que deve considerar todos os aspectos da vida humana de forma sistêmica e integrada. O diagnóstico constrói dois cenários possíveis para 1990/2000.

Trata o Planejamento como um processo e ferramenta essencial da administração. Propõe uma lei do processo de planejamento. Fala de um Sistema metropolitano – necessidade de compatibilizar diretrizes intramunicipais e inter-setoriais. A questão metropolitana aparece na lei.

Traz grande ênfase no Capítulo sobre Meio Ambiente com análise das bacias hidrográficas e propostas de estudos mais aprofundados. Sugere Plano Diretor para a área rural, Plano Municipal de Meio Ambiente e de Recursos Naturais, Plano Diretor de Drenagem, elaboração de leis das APAs.

Propõe o Macrozoneamento Ambiental

APP – Área de Proteção Permanente do Atibaia e Jaguari

APP – Área de Proteção Permanente do Rio Capivari

ACA – Área de Controle Ambiental

AVUI – Área de Vocação Urbano-Industrial

AID – Área Intensamente Degradada

Mapa anexo

No Capitulo sobre sistema de estrutura e uso do solo, fala-se do modelo radio-concêntrico reafirmado pela Lei 6031/88 (população de saturação é de 5.373.876 habitantes) e pelo sistema viário e de transportes. Coloca a necessidade de reformulação da 6031/88 no prazo máximo de dois anos, bem como do Código de Obras. Traz ainda outras recomendações gerais sobre descentralização das atividades comerciais, industriais, atividades primarias, adensamento dos vazios urbanos, patrimônio, bem como recomendações de caráter regional.

Trata das políticas publicas: habitação, promoção social, saúde, cultura, turismo, esportes, lazer e segurança, e capítulos sobre o sistema viário e transportes (propõe planos) e sobre o sistema Institucional.

Recomenda instaurar processo de planejamento para detalhar propostas do PD e sua revisão periódica.

No entanto, as exigências e prazos estabelecidos para sua regulamentação não foram cumpridos nos anos seguintes, e após um processo de revisão e detalhamento das diretrizes e instrumentos previstos, uma nova lei do Plano Diretor foi aprovada em 1996, objetivando orientar o desenvolvimento urbano do município.  

Plano Diretor de 1996 , aprovado pela Lei Complementar n.º 4, de janeiro de 1996.

O PD de 1996 se intitulava revisão do PD de 1991 e foi elaborado basicamente pela equipe da SEPLAMA e de outras unidades da Prefeitura, com algumas consultorias externas. Produziu-se o “Documento de Sustentação da Lei do Plano Diretor”.

O Plano Diretor de Campinas, aprovado pela Lei Complementar n.º 4, de janeiro de 1996, estabelece diretrizes estratégicas de ordenamento e controle dos processos de produção e apropriação do espaço, com a finalidade de garantir e viabilizar um desenvolvimento harmônico que concilie a potencialização do crescimento econômico do município com a melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. O Plano divide o município em sete macrozonas de planejamento, que formam um gradiente quanto à factibilidade e à conveniência de urbanização no curto, médio e longo prazos, para as quais foram indicadas diretrizes e condutas estratégicas de planejamento e gestão. O Macrozoneamento abarca todo município, incluindo as áreas urbanas e rurais, compreendendo:

1- Macrozona de Proteção Ambiental

2- Macrozona com Restrição à Urbanização

3- Macrozona de Urbanização Controlada Norte

4- Macrozona de Urbanização Consolidada

5- Macrozona de Recuperação Urbana

6- Macrozona de Urbanização Controlada Sul

7- Macrozona Imprópria a Urbanização

Macrozoneamento

 O Macrozoneamento é o instrumento que define a macro-organização do assentamento residencial em face das condições do desenvolvimento socioeconômico e espacial do Município, consideradas a capacidade de suporte do ambiente e das redes de infra-estrutura para o adensamento populacional, devendo orientar a política urbana no sentido da consolidação ou reversão de tendências quanto ao uso e ocupação do solo.

O Macrozoneamento refere-se ao grau de conveniência ou inconveniência que se considera adequado para estimular a ocupação (e urbanização) das áreas já urbanizadas numa cidade, bem como daquelas passíveis de urbanização. Os critérios utilizados para fixar estes graus levam em conta, basicamente, aspectos, tanto direta como indiretamente, referentes ao meio ambiente. Entre os primeiros estão os aspectos geológicos, topográficos e pedológicos e a existência de locais que devam ser preservados por alguma razão específica (área de mananciais, de preservação da vida silvestre, etc.). Entre os demais ressaltam a possibilidade de fácil instalação de infra-estrutura, a prioridade concedida a cada local relativamente a outras alternativas no horizonte temporal considerado, etc. (3).

 O Macrozoneamento tem por finalidades:

- conjugar as demandas socioeconômicas e espaciais com as necessidades de otimização dos investimentos públicos e privados, de conservação do ambiente e de melhoria dos padrões urbanos;

- racionalizar o uso e ocupação do território, em especial dos espaços dotados de melhores condições de infra-estrutura ou com previsão para alocação de infra-estrutura e serviços no horizonte temporal do Plano, promovendo economias de aglomeração;

- fornecer bases para o dimensionamento e expansão das redes de infra-estrutura, e para implantação de equipamentos e serviços urbanos;

- estabelecer limites para o adensamento populacional e de ocupação do solo;

- valorizar o ambiente e a paisagem urbana;

- orientar a aplicação dos instrumentos jurídico-urbanísticos estabelecidos nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, regulamentados pela Lei Federal 10.257/01 – Estatuto da Cidade – e pela Medida Provisória 2.220/01.

O Plano Diretor de 1996 define ainda uma série de diretrizes de preservação para toda área rural do município, onde devem ser fomentadas atividades de agricultura, pecuária e criação animal em geral, extração mineral, bem como atividades de lazer, obedecendo critérios de manejo ambientalmente adequados e respeitando o limite máximo para parcelamento do solo estabelecido pelo INCRA (20.000m 2 ), de forma a manter um padrão de densidade populacional condizente com o meio rural.

No Plano foi proposto que as etapas subseqüente seriam aquelas referentes ao detalhamento da legislação urbanística, com o estabelecimento de critérios específicos de parcelamento, uso e ocupação do solo. Para tanto, foram criados os Planos Locais de Gestão Urbana a serem definidos para bairros ou conjunto de bairros onde devem ser detalhadas normas e/ou regras urbanísticas locais.

Três desses planos já foram elaborados: o Plano de Barão Geraldo (aprovado em 1996), o Plano Local de Gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) de Sousas e Joaquim Egídio (aprovado em 2001) e o do Campo Grande, cujo projeto de lei foi recentemente enviado ao jurídico da PMC pela SEPLAMA.

Nesse espaço de planejamento, procura-se garantir a participação da população na definição e fiscalização das normas e políticas estabelecidas.

Nos processos de elaboração desses três planos locais, contou-se com a participação da população, embora de forma diferenciada segundo cada região, na discussão das diretrizes e na definição das propostas estabelecidas.

Decorrido curto espaço de tempo da aprovação do Plano Diretor, vale destacar que, para além das intenções explicitadas na lei, verificaram-se contradições internas na própria administração que a propõe.

Novos instrumentos que alteram a proposta de estruturação definida no plano, a exemplo da lei de bolsões, foram elaborados e aprovados ainda em 1996, ao mesmo tempo em que determinações constantes do mesmo foram cumpridas, a exemplo da formulação dos Planos Locais de Gestão Urbana.

O Plano Diretor passou a ser uma referência, mas, mesmo assim, o fato de ser constituído por diretrizes que necessitam de outros instrumentos legais para sua concretização, leis de uso e ocupação do solo, por exemplo, deixa um espaço para desvios.

Embora os Planos de 1991 e 1996 tenham proposto vários dos novos instrumentos com potencial para realizar a função social da cidade e da propriedade, estes não foram implementados.

Outras legislações da década de 90

Em que pese as diretrizes estabelecidas na Lei do Plano Diretor, a lei de uso e ocupação do solo (Lei 6031/88), a lei de parcelamento (Lei 1993/59 – Título 7), entre outras, não foram alteradas para atender as diretrizes ali definidas. Verifica-se, também, a edição de leis contrárias ao estabelecido na Lei Complementar 04/96, bem como nos planos locais já elaborados.

A Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) – 6031/88 e as diversas alterações promovidas na mesma, aprovadas entre 1990 e 2000, não conseguiram acompanhar a dinâmica urbana do município de Campinas. Por outro lado, a estrutura rígida da Lei 6031/88 contribuiu para a manutenção da concentração das chamadas “áreas de uso misto” na região central, apesar de todas as análises que vêm sendo feitas ao longo dos últimos anos apontarem para a necessidade do desenvolvimento de sub-centros em todas as outras regiões da cidade.

Destacam-se ainda a Lei Municipal 8636/96, que dispõe sobre o fechamento de loteamentos novos e já existentes, e a Lei Municipal 8853/96, alterada pela Lei 10.187/99, que dispõe sobre empreendimentos urbanos em zona rural. Essas duas leis têm viabilizado o parcelamento de áreas distantes da malha urbana e pressionado a urbanização de áreas indicadas no Plano Diretor como de restrição e controle da urbanização, como é o caso das Macrozonas 2 e 3.

Verifica-se o distanciamento do planejamento da gestão.

Campinas na década de 1990

Na década de 90, Campinas se consolida como uma metrópole, reunindo as características populacionais (de porte e densidade), econômicas (PEA ocupada em atividades urbanas), espaciais e de relações complexas entre os municípios que a compõem. Ao mesmo tempo em que se exacerbam as dificuldades e mazelas das grandes aglomerações humanas, tais como: o provimento de infra-estrutura física e social a toda população, a expansão desordenada em detrimento da qualidade ambiental, o crescimento da violência urbana. (4)

As imagens de satélite de 1989, 1996 e 2000 mostram a evolução da mancha urbana da Região Metropolitana (5) e permitem identificar visualmente as áreas urbanizadas e distinguir um gradiente de concentração da ocupação urbana das mesmas, denominadas : área com urbanização densa , área com urbanização média e área com urbanização baixa . Identificou-se também áreas de grandes implantações não residenciais . Essas áreas foram mapeadas e dimensionadas para os três anos acima citados.

Em que pese algumas limitações da interpretação visual das imagens de satélite, seu resultado é um importante indicador da dimensão da ocupação e expansão urbana da RMC como um todo, bem como sua direção e forma na última década do século XX.

A mancha urbana da RMC no final dos anos 80

Os 19 municípios que compõem hoje a Região Metropolitana de Campinas possuem uma área total de cerca de 364.700 ha. Em 1989, a ocupação urbana correspondia a 15,3% de seu território. Da área urbanizada, 55,8% foram identificadas como áreas com urbanização densa , 12,7% com urbanização média, 18,5% com urbanização baixa e 13% como área de grandes implantações não residenciais . (Mapa 1989).

A maior parte dessa área urbanizada estava concentrada na forma de uma mancha contínua de Vinhedo a Sumaré, ao longo da Via Anhanguera, e de Sumaré a Santa Bárbara D'Oeste, configurando uma conurbação de sete municípios da RMC (Vinhedo, Valinhos, Campinas, Sumaré - incluindo Hortolândia, Nova Odessa, Americana e Santa Bárbara d`Oeste). Além dessa grande mancha de ocupação urbana, verifica-se conurbação também entre Sumaré (na área que é hoje Hortolândia) e Monte Mor.

A conurbação desses municípios é caracterizada por áreas com urbanização densa , intercaladas por áreas de grandes implantações não residenciais . Os sete municípios que formam essa conurbação ocupavam 47% do território da RMC e, em 1989, respondiam por 80% da área com urbanização densa , 72,17% das áreas de grandes implantações não residenciais e 75% da área urbanizada como um todo. Em 1991, eles reuniam 80% da população total da RMC.

Nos anos 90, a área urbanizada da RMC sofreu um acréscimo de 29%. A área de Campinas cerca de 25%. Entre 1989 e 1996 o acréscimo é de 17%, correspondendo a cerca de 9500 ha. Desse total, mais da metade foi de área com urbanização densa e 27% de área com urbanização baixa (Mapa 1996).

O crescimento mais expressivo da área urbanizada ocorreu em Campinas e Hortolândia, sendo as áreas com urbanização baixa as que proporcionalmente mais aumentaram. Em Campinas essas áreas situam-se, em grande parte, na região Sudoeste, além da Rodovia dos Bandeirantes. Nos dois municípios são loteamentos populares ainda pouco ocupados. A expansão urbana nessa região de Campinas ocorre, em geral, através da incorporação de áreas próximas à divisa com Monte Mor e Hortolândia, já bastante distante do núcleo urbano principal, em detrimento dos vazios urbanos existentes.

No período 1989/96 nota-se através do movimento de expansão da mancha urbana a incorporação dos municípios situados ao norte/nordeste de Campinas na dinâmica econômica e espacial metropolitana. Surgem áreas não residenciais em praticamente todos eles, além do crescimento/adensamento das áreas urbanizadas.

Em 2000, a área urbanizada da RMC é de cerca de 72.000 ha e ocupa quase 20% de seu território. O ritmo de crescimento da área urbanizada nesse período é um pouco superior ao do período anterior, devido principalmente ao comportamento de Itatiba, Indaiatuba, Valinhos, Vinhedo e Americana. Entre 1996 e 2000 há um acréscimo de 10% da área urbanizada na RMC, pouco mais de 6800 ha. O acréscimo de área com urbanização baixa corresponde a mais da metade (52,3%) desse total, seguido pela área com urbanização média com acréscimo de 23,6%.

A observação da conformação da mancha urbana em 2000 explicita o espraiamento da urbanização de baixa ocupação nas áreas mais externas da mancha metropolitana, notadamente em Itatiba e Indaiatuba.

O crescimento da área urbanizada entre 1996 e 2000 parece ter reforçado um padrão de ocupação do solo mais extensivo e espraiado pelo território metropolitano, indicando uma menor dependência dessas novas áreas do núcleo urbano do próprio município, quer no que se refere ao local de trabalho como de comércio, serviços e lazer.

Entretanto, o espraiamento da área urbanizada, nos anos 90, tem características e direções diferenciadas do processo de periferização dos anos 70. A incorporação de áreas mais afastadas, muitas delas localizadas fora dos perímetros urbanos municipais, agora se dá também através de loteamentos e condomínios horizontais de médio e alto padrão construtivo e baixa densidade que elevam o preço da terra. O padrão de urbanização continua a engendrar o aumento dos custos de implantação da infra-estrutura e de sua manutenção. O impacto ambiental decorrente desse processo pode, entre outros aspectos, comprometer ainda mais as condições dos mananciais de abastecimento de água.

A Região Metropolitana de Campinas, agora institucionalizada, ultrapassa, em 2000, 2,3 milhões de habitantes, distribuídos desigualmente nos 19 municípios com seis deles abrigando mais de 100 mil habitantes e reunindo em conjunto 78% da população da região: (Campinas, Sumaré, Americana, Santa Bárbara D'Oeste, Hortolândia e Indaiatuba). Paulínia e Valinhos reúnem mais de 50 mil. A distribuição relativa da população sofre alterações, com Campinas passando a abrigar 41% do total da população e Americana e Santa Bárbara também perdendo participação relativa no conjunto da RMC.

A forma de expansão, uso e ocupação do solo urbano em uma região de intensa integração e complementaridade funcional é resultado e tem implicações que extrapolam o âmbito municipal. Entretanto, mesmo sendo a expansão urbana nos diversos municípios resultado, principalmente, da dinâmica econômica e demográfica regional, a regulamentação e o controle desse processo é de competência municipal e, em geral, vem sendo tratados apenas sob o ponto de vista local. Assumir como função pública de interesse comum o controle e a regulamentação da expansão urbana metropolitana, bem como imprimir um caráter metropolitano às políticas setoriais com impacto territorial vai requerer disposição de cooperação entre os Municípios que integram a Região.

Embora tenha se reduzido o ritmo de expansão da área urbana na última década, em comparação com as anteriores, o padrão de expansão urbana verificado exacerba, na escala metropolitana:

•  o espraiamento da área urbanizada com baixa densidade em empreendimentos destinados às faixas de renda mais elevadas, avançando sobre áreas rurais;

•  o adensamento de favelas e bairros ocupados por população de baixa renda, bem como o acréscimo de novas áreas situadas em regiões que apresentam deficiências crônicas de infra-estrutura;

•  aumento do tempo de deslocamentos e nos custos de transportes;

•  tendência de maior preocupação com a promoção de um crescimento urbano ordenado nos municípios e regiões que apresentam melhores condições de urbanização, o que se traduz, muitas vezes, em legislações mais restritivas que limitam a possibilidade de empreendimentos de padrão popular nessas áreas;

Com efeito, as dificuldades na implementação de uma legislação urbanística com potencial redistributivo e que busque se contrapor à desigualdade social são muitas no contexto político-econômico da década (neoliberalismo, globalização, descentralização político-administrativa, reconcentração fiscal, crise econômica)

O desafio do século XXI

O desafio atual é o enfrentamento da necessidade de planejar dentro de uma lógica nova - inclusão, participação, gestão. Neste sentido, o Estatuto da Cidade (2001) traz elementos para ajudar a combater a desigualdade sócio-espacial de nossas cidades.

É preciso desenvolver uma revisão geral da legislação urbanística municipal no sentido de eliminar os conflitos existentes e simplificar os conteúdos das normas.

Por outro lado, julga-se necessário uma maior divulgação dos instrumentos urbanísticos para que se possa empreender um processo de conscientização junto à população. Em Campinas, na década de 90, consolida-se a atuação dos Conselhos Municipais que constituem importantes agentes na construção da cidade e na democratização do Planejamento.

É bem verdade que a revisão da legislação urbana, em especial a lei de uso e ocupação do solo, passa por embates políticos nem sempre fáceis de serem superados e, por esse motivo novas leis vêm sendo editadas para contornar os problemas decorrentes da legislação em vigor. Tem-se claro que a questão fundiária e imobiliária ocupa papel central na organização das cidades, e não há planos ou fórmulas mágicas para superar os conflitos dela advindos, já que a questão é política.

A elaboração de legislações e planos urbanos, bem como sua implementação, implica na constituição de pactos sociais minimamente duradouros. Não adianta buscar novos instrumentos, tecnicamente melhores se eles na prática servem para fortalecer a desigualdade.

É preciso superar o descasamento entre leis, investimento e gestão. Existe a necessidade de “colar” o planejamento à gestão, à ação.

Entra aqui o processo de formulação participativa de um plano também contemplado no Estatuto da Cidade e a importância da gestão democrática na definição dos investimentos urbanos, como forma de democratização do espaço urbano, já que a prática corrente refere-se a investimentos servindo à valorização dos capitais imobiliários.

A construção dessa nova prática é uma tarefa de todos: população, gestores e planejadores.

Referências Bibliográficas:

(1) Ver Cano, W. e Brandão, Carlos A., A Região Metropolitana de Campinas. Urbanização, economia, finanças e meio ambiente. Campinas, Ed.Unicamp, 2002.

(2) Ver a respeito Schneider, I.E. Confrontos e dificuldades na implementação dos instrumentos urbanísticos propostos nos Planos Diretores Municipais de Campinas na década de 90. Dissertação de mestrado. FAU/USP. 2002.

(3) O macrozoneamento não deve em nenhuma hipótese ser confundido com zoneamento de atividades que vem sendo universalmente utilizado nas cidades ao longo deste século, que na prática, resulta numa concentração espacial de atividades similares a partir de uma lógica simplista.

(4)Utilizo aqui as análises e conclusões desenvolvidas em outro trabalho no âmbito das discussões sobre a RMC do Nesur (Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional do Instituto de Economia da Unicamp Ver Pires,Mª C S e Santos, S Mª M, A Evolução da Mancha Urbana in Fonseca, R B et alli (orgs) Livro Verde. Desafios para a Gestão da Região Metropolitana de Campinas. Campinas, Ed Unicamp.2002.

(5) Para mostrar a evolução da mancha urbana da RMC utilizou-se mapas da ocupação urbana para os anos de 1989, 1996 e 2000, elaborados com base na interpretação do mosaico de imagens do Satélite Landsat TM 5 (para 1989 e 1996) e do Satélite Landsat ETM 7 (para 2000), sobrepostas à base cartográfica do IBGE, escala 1:50:000. A montagem e interpretação das imagens foi realizada pela EMBRAPA - Monitoramento Remoto, a pedido do Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional - NESUR/IE - UNICAMP.