BOLETIM
EPIDEMIOLÓGICO
Ano
XI - Número 11
Dezembro/2000
EDITORIAL
As
equipes de saúde devem manter-se mobilizadas para o adequado controle de
doenças transmissíveis sujeitas à vigilância epidemiológica.
No
presente momento é imperativo se alertar para a possível sobreposição
de quadros potencialmente epidêmicos como dengue, sarampo ou rubéola, a
forma hemorrágica de dengue, a doença meningocócica, entre outros
agravos que possam ser considerados inusitados ou em que seja imperativo
vigiar e investigar. Uma revisão de tendências encontra-se em “Trajetória
das Doenças Infecciosas: da eliminação da poliomielite à reintrodução
da cólera”(formato
pdf).
A
investigação, o diagnóstico diferencial e manutenção de ágil vigilância
laboratorial dessas doenças que se incluem entre as de notificação
compulsória em Campinas
são medidas que se mantêm portanto recomendadas.
CENTRO MUNICIPAL DE REFERÊNCIA EM CONTROLE
DE ZOONOSES DE CAMPINAS
Telefone
3245-1219
BIP
41-71-695 central 3243-9777
Há uma
expansão contínua da endemia de dengue no planeta, através da incontida
disseminação dos quatro sorotipos de vírus circulantes, acometendo as
populações do cinturão
tropical
em surtos e epidemias que se esgotam pelo acometimento dos susceptíveis.
Há uma preocupação crescente com a falência dos métodos tradicionais
de intervenção na falta de vacinas eficazes, ineficácia global dos
programas consumidores de muito recurso, e a necessidade fundamental de se
intervir nos
criadouros urbanos
do principal inseto transmissor.
No Brasil
e Estado de São
Paulo
esse padrão de disseminação aparece acometendo um número
progressivamente crescente de municípios. A situação vem se agravando
porque há não só essa ampliação da endemia em surtos recorrentes,
como aumento do risco de formas hemorrágicas a partir da circulação e
recirculação dos sorotipos 1 e 2 no país. Uma ampla revisão da “Epidemiologia
e medidas de prevenção do dengue” foi publicada no Informe
Epidemiológico do SUS.
Em Campinas
o desenvolvimento do “projeto
dengue”,
com a mobilização das equipes de campo, dos profissionais de saúde e da
população em geral tem obtido êxito em manter um bom nível de controle
após a epidemia de 97/98, quando se registrou no período de verão pouco
mais de mil casos. Em 1999 e 2000 a ocorrência de autoctonia
restringiu-se a 70 e 59 casos respectivamente, sendo que neste período crítico
que se inicia não se detectou casos até novembro.
Os esforços
neste momento dão-se em duas diretrizes fundamentais: vigilância ativa
da circulação dos vírus do dengue em todos os serviços e laboratórios,
com produção contínua de investigação de suspeitos e de casos de
febre a esclarecer, e a vigilância entomológica precisa, mês a mês,
com a confecção dos índices de infestação por área de cobertura de
Centro de Saúde (Índice de Breteau).
Em
recente encontro
anual sediado este ano no Brasil - Foz do Iguaçu (PR),
o Grupo Assessor de Doenças Preveníveis por Vacinas da Organização
Panamericana de Saúde (OPS) acredita ser possível a erradicação do
sarampo nas Américas ainda para o ano de 2.000 conforme foi definido na
reunião da XXIV Conferência Sanitária Panamericana em 1994, ano
também da Certificação de Erradicação da Poliomielite nas Américas.
O
sarampo é uma doença de alta transmissibilidade em que, para se
interromper a circulação do vírus, é necessário manutenção de altas
coberturas vacinais (maiores que 95%), de forma homogênea. Após uma
campanha de vacinação, é esperada inicialmente uma baixa ocorrência da
doença, seguida de recrudescência, devido a acúmulo de suscetíveis,
por coberturas vacinais inadequadas, por fluxo migratório de pessoas
provenientes de locais com baixa incidência de sarampo ou baixas
coberturas vacinais, ou ainda por falha primária da vacinação.
Mundialmente
vive-se situação de endemia de sarampo em países subdesenvolvidos onde
as coberturas vacinais são baixas e inadequadas, ou em países
desenvolvidos, sob a forma de
surtos como os EUA, ou na França, Alemanha, Japão e Itália onde não se
realizam vacinações de rotina contra o sarampo.
No
Brasil, até o início da década de
90, o sarampo apresentava-se como uma doença endêmica com picos
epidêmicos a cada 2-3 anos. Em 1992, com a implantação do Plano
Nacional de Eliminação do Sarampo, foi propiciado um controle mais
efetivo com atividades de vacinação e obtenção de alta cobertura
vacinal no país (96,7%).
Quatro
anos após esse controle da doença, houve seu recrudescimento sob a forma
de surtos de grandes proporções nas regiões sudeste e sul
(SP, SC e PR), entre 1996 e 1997, para propagar-se a outros estados
do nordeste (PE), centro-oeste e norte, em 1998.
Apesar
do Estado de São
Paulo
ter realizado duas campanhas de vacinação indiscriminada contra o
sarampo (1987 e 1992), ele foi acometido por uma grande epidemia em 1997,
com início na Grande São Paulo, e que logo se alastrou para o interior,
contabilizando-se 23.909 casos confirmados no estado (69,13 casos por
100.000 habitantes), com 282 casos em Campinas (30,67 casos por 100.000
habitantes) (CVE).
Houve
oscilação de coberturas vacinais nestes anos que antecederam a epidemia,
que não foram homogêneas em todo o estado, propiciando acúmulo de
suscetíveis. Além disso, houve o esperado deslocamento de faixa etária,
onde, em Campinas a faixa de adultos jovens teve grande importância nessa
epidemia.
Na
campanha de multivacinação de 2.000, houve o ajuste das medidas de
controle, realizando-se a campanha
de seguimento,
quando se vacinou novamente as crianças menores de 5 anos com o intuito
de imunizar os susceptíveis remanescentes. Incrementou-se também
vacinação de grupos de risco, como por exemplo trabalhadores na
construção civil.
Dados
atuais confirmam a possibilidade da erradicação. Se em 1994, havia meio
milhão de casos de sarampo, em 2.000 temos registrado menos de 830 casos
nas Américas, localizados no Haiti e na República Dominicana. No Brasil,
os esforços de vigilância ativa são realizados e neste ano somente 48
casos foram confirmados em uma população de 160 milhões de habitantes.
O
Centro Nacional de
Epidemiologia
alerta que para se obter êxito é necessário que os governantes
mantenham o Plano de Eliminação do sarampo na agenda de prioridades.
Após
bem sucedida campanha de vacinação contra a meningite meningocócica A-C
em 1996, evidenciada pelos impactos positivos na incidência da doença em
Campinas nos anos subseqüentes, vemos em 2000 uma tendência ao
crescimento do sorogrupo C, devido ao fato da vacina utilizada, constituída
de polissacárides capsulares, apresentar uma proteção de duração
limitada (2-3 anos).
De
um modo geral, a doença meningocócica está no patamar de controle no Estado
de São Paulo
e na região de Campinas. A
letalidade, de aproximadamente 20%, está associada aos casos graves de
meningococcemia, na maioria do sorogrupo B, para o qual não há vacina
eficaz até o momento.
Outras
meningites
adquirem importância epidemiológica devido às diferentes etiologias com
sobreposição de quadros clínicos e medidas de controle diversas.
Portanto, a investigação clínico-epidemiológica e o indispensável
componente laboratorial, continuam claramente indicados.
MENINGITES E REAÇÃO VACINAL ANTI-AMARÍLICA
Em
fevereiro deste ano foi desencadeada uma campanha de vacinação em massa
contra a febre amarela na região, que atingiu 68,5% de cobertura,
tendo-se vacinado 2.065.000 pessoas nos 42 municípios abrangidos. Essa
campanha foi indicada pelo risco de início de transmissão com a confirmação
de febre amarela em residente no município, contraída na região da
Chapada dos Veadeiros (GO) no mês de janeiro de 2000. O surto de febre
amarela nessa região contextualiza-se na ocorrência epidêmica da doença
no Brasil,
Peru e Bolívia.
Concomitante
a essa vacinação observou-se um aumento de casos de meningite
linfomonocitária com características
semelhantes às de etiologias virais,
de curta duração e evolução
benigna, que suscitou a hipótese de correlação epidemiológica, e
portanto tratar-se de evento adverso pós-vacinal.
Além
dessas meningites que totalizaram 279 casos no período da campanha, houve
um óbito em Americana (SP)
cinco dias após recebimento da vacina. Entre todos os exames realizados
na investigação desse óbito, a técnica de PCR nos tecidos
revelou a presença de vírus vacinal, uma das hipóteses da causa
do óbito. Este caso, um em mais de dois milhões de doses aplicadas,
ocasionou a suspensão cautelar da vacinação em massa, mesmo porque já
se obtivera cobertura vacinal significante contra a febre amarela.
Considerando-se porém o risco
de febre amarela, recomenda-se continuar a indicar a vacinação
para viajantes que se dirijam à área endêmica, posto que a letalidade
por circulação nestas áreas continua alta.
A
investigação epidemiológica tanto do óbito como das meningites não
permitiu concluir-se em definitivo quanto à etiologia, porém há evidências
de associação no caso dessas meningites, reforçada pela relação
temporal, com um risco relativo 3,45 maior para os que tomaram a vacina.
Esse
caso de Americana não seria inédito no Brasil: o primeiro teria ocorrido
em dezembro de 1999, em Goiás. Também o Centro de Controle de Doenças
dos EUA relata quatro óbitos com associação temporal à vacina contra a
febre amarela, sendo dois com isolamento viral.
Investigações
estão sendo conduzidas em cepas vacinais da febre amarela para se
verificar a possível reativação da virulência vacínica, o que poderia
explicar tais eventos adversos.
A
raiva é considerada por muitos especialistas como uma das zoonoses de
maior importância em saúde pública, não só por sua evolução letal,
como também por seu elevado custo social e econômico. Estima-se que
somente na América
Latina,
cerca de 800.000 pessoas são agredidas anualmente por animais,
acarretando um gasto de aproximadamente 2.000.000 doses de vacina anti-rábica,
somando-se ainda a danos físicos e perda de horas de trabalho.
No
Brasil20,
embora tenham sido envidados inumeráveis esforços para controlar a raiva
animal e eliminar a raiva humana, esta continua a fazer vítimas e a
comprometer a economia de muitas regiões.
Pode-se
observar o desencadeamento de uma epizootia de raiva em animais herbívoros
prioritariamente em bovinos inicialmente
identificada nas regiões noroeste do Estado do Rio de Janeiro e sudeste
de Minas Gerais. Esta epizootia avançou sem mecanismos eficazes de
controle e atingiu o Estado de São Paulo provavelmente no início de
1998.
Embora
o governo estadual tenha desenvolvido ações de grande importância
envolvendo as Secretarias de Saúde e da Agricultura – que é responsável
pelo controle sanitário dos rebanhos de animais de produção – não se
conseguiu impedir o avanço da epizootia que atinge a região de Campinas,
sendo verificados os primeiros casos em animais no início do mês de
junho do corrente ano.
Neste
período, foram identificados no município 17 casos da doença em animais
(4 eqüinos, 1 ovino e 12 bovinos) nos subdistritos de Sousas (1 caso) e
Joaquim Egídio (16 casos).
Para
que esta epizootia seja controlada é preciso que sejam desenvolvidas
atividades conjuntas entre as Secretarias Municipais e Estaduais.
De
acordo com determinação da Secretaria Estadual de Agricultura, é de
responsabilidade de todo o proprietário de animais de produção, a
vacinação contra a raiva. No Estado de São Paulo preconizam-se o uso de
vacinas inativadas, com aplicação anual em todo o rebanho suscetível.
Os animais primo-vacinados devem receber dose de reforço cerca de 30 dias
após a primeira vacinação.
A
fiscalização e controle desta vacinação são de responsabilidade dos técnicos
do Escritório de Defesa Agropecuária – EDA – com sede regional no
município de Campinas.
A
estes técnicos cabe ainda o controle dos morcegos hematófagos, os
transmissores da raiva para os animais herbívoros, mediante a captura e
eliminação das colônias, ou então pela aplicação de produtos com ação
anticoagulante em exemplares capturados isoladamente.
Às
Secretarias Municipais de Saúde cabe a responsabilidade de manter o
sistema de vigilância em estado de alerta, orientando a população
quanto aos riscos de transmissão da doença, indicando tratamento de pré-exposição
a todos os profissionais - médicos veterinários, tratadores e criadores
- que tenham estreito contato com animais, e ainda indicando corretamente
tratamento pós-exposição, de acordo com norma técnica vigente.
No
município de Campinas, as equipes do Centro de Controle de Zoonoses, de
vigilância em saúde do Distrito de Saúde Leste e dos Centros de Saúde
de Sousas e Joaquim Egídio, desenvolveram atividades de bloqueio de foco
em animais domésticos, ampla orientação à população local e
tratamento de todos os envolvidos em acidentes com animais (positivos ou
suspeitos), encaminhamento de amostras para diagnóstico laboratorial e
apreensão de animais errantes.
Em
recentes encontros técnicos ocorridos no município de Campinas, as
conclusões indicaram que a epizootia ainda não se encontra controlada,
sendo necessário que as equipes de vigilância de todo o município
permaneçam atentas aos riscos de transmissão da doença, notificando
todos os animais suspeitos aos órgãos competentes e encaminhando
corretamente as pessoas envolvidas em acidentes com mamíferos domésticos
ou selvagens para tratamento vacinal profilático.
Equipe Responsável por este Boletim:
Ricardo
Alves Cocolisce
Carlos Eduardo Cantúsio Abrahão
Antônio Carlos Coelho Figueiredo
Naoko Yanagizawa Jardim da Silveira
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